Páginas

13 de dez. de 2011

Vânia do Adamastor

"Sorrow" - Vincent Van Gogh


A condição da vida de Vânia
A espera do amor virou ânsia
A realidade de dor cegou coração
E a vontade de viver passou a depressão

A relação da sina de Vânia
A sujeição do amor frente à miséria em voga
A coroação da vida numa pipa com restos de pólvora
E a sustância de crer para não morrer pela própria mão

A convulsão que pegou Vânia
No meio da praça da Sé
A podridão da vida de Vânia no bairro do Tatuapé
Sofre agressão do marido e quase não janta
Pra sobrar mais arroz pro filho José

Vânia pensa que a paciência é uma arte
E que a força é necessária muito mais pra alma do que para o corpo
Tem a força da água e do fogo
Vânia é descartada como sacola plástica
Operária das pragas, mulher do tricô
Tarada com chocolates, a espera de um milagre com nome amor
Ela é conhecida como dama da noite e companheira do Adamastor

1 de nov. de 2011

19 de out. de 2011

Pequeno Cotidiano Comum


Vejo tantas pessoas viverem o presente em estado permanente do passado, com aquelas crendices todas que alguém, por algum interesse, vomitou com domínio sobre a cabeça e facilmente foi aceito; acreditando ser possível viver de um passado comprovadamente desastroso, virtual e dedutivo. Fielmente marcado por linhas de pensamento fajutas que justificam ou seguram os últimos tijolos da sua vida. Rigorosamente fechadas aos fatos que comprovam o óbvio, se iludindo de forma fundamentalista em verdades tão evidentemente desprovidas de senso. Famintas por algo ou alguém distantes, muitas vezes sem forma, sem cor, sem nome ou até vida.

Compreendo a ilusão marcante necessária para que as pessoas segurem firmes e possam levar seus filhos à escola, chegar alegremente ao trabalho (aparentemente), comer calmamente sua porção orgânica da vida, amamentar e ser amamentadas, realizar reuniões ou dar aula, passar no supermercado, voltar pra casa, dar comida para os filhos, ver o jogo de futebol da quarta-feira, fazer sexo e dormir.

A necessidade de se segurar em algo ou alguém é tamanha, que todo o desconforto da vida se resume no momento em que elas estão nuas no banheiro ou sozinhas em casa. Sentem, sem querer sentir ou pensar, o vazio confortável e passivo que levam, tratando tudo em Banho - Maria . Ainda sim, são contundentes em suas análises  da concepção da vida ou do sistema capitalista, se sentem revolucionárias dentro de suas caixas de sapato, se acham espertas e abertas ao novo e as diferenças, acreditam fielmente no ecodesenvolvimento!
Todo este bolo, esta receita tétrica de infelicidade disfarçada, que só não desmorona (ainda) porque se tem 03 filhos pequenos a cuidar e até que eles fujam ou sigam o caminho como todos nós fazemos, restará uma ponta de utilidade na vida, de conformismo com a mentira, de vaidade por suas idéias, de orgulho com seu modo de vida e com sua rebeldia... Rebeldia de Poliana!

A visão de mundo que sempre pareceu ampliada e diferenciada, nada mais é que uma visão  colonizada, doada como balinhas de hortelã de troco, escondida em algumas folhas de alface, na avareza com que os mínimos centavos são contados para o fechamento do mês e na forma como vê o próximo, como um incômodo. Não acredita ser possível que pessoas  possam gostar de Calypso.

Entretanto, os mínimos detalhes passam despercebidos como os garis que limpam a praça municipal ou os pedidos calmos e pacientes da sua mulher  que quase sempre nunca são ouvidos, ou mesmo os problemas sociais e ambientais ocasionados pela mineração em cidades próximas. Claro, que, entre amigos, para reforçar a sua autenticidade e marcar seu lugar em um grupo moderno de pensadores ambientalistas, expõe os detalhes ocorridas pela mineração com propriedade e ao mesmo tempo é completamente a favor do início do Manejo Florestal madeireiro na Floresta Nacional do Apodí. E a vida, se torna uma aeronave que viaja pela madrugada em tempestade com os sinalizadores marcando 40.000 mil pés e que, na realidade, está a um palmo de tocar o mar.

É difícil pedir algo de alguém, sem nunca ter recebido. É como pedir para redigir um texto de 400 linhas a quem nunca foi à escola; ou ver a beleza da vida, do céu azul deste dia, a quem nunca olhou para o céu, mas para a lata de lixo no chão. Acredito que, se as pessoas tivessem um poder a escolher, um poder supremo; escolheriam que todas as pessoas fossem como ela, a própria semelhança.

CRUIS!



9 de set. de 2011

Mãe e Criança - Gustav Klimt.

Uma mãe nunca é um fardo para o filho.
Um filho nunca é um fardo para a mãe.
E, se para o filho, a mãe é um fardo
Este não é um filho
É um diabo, uma praga
E, se o mesmo para a mãe,
Esta não é uma mãe
é uma cobra pico de jaca.
(L.C)

"...As mães são insubstituíveis na educação,  porque elas sabem sentir junto com as crianças, chorar, gargalhar. Com lógica e moral não se chega a nada" (Anton Tchékhov)

19 de jul. de 2011

Sachka - El Cervecero

“...
Estávamos em guerra contra antigos aliados, povos vizinhos. Estávamos em guerra contra nós mesmos. Matávamos e morríamos. Estávamos exaustos, exauridos por uma guerra sangrenta, cruel, insignificante. Não conseguimos e nem conseguiremos a paz a partir destes conflitos. Ao final de mais um dia, estávamos mortos e tensos, por ataques constantes do incansável inimigo. O som dos combates sob o mais terrível canto, como de uma águia sombria e soberana que pousava sobre as intensas e sonoras bombas de ódio. Nas montanhas, eram, sobretudo, o frio e a neblina que transformavam as nossas vidas em um jardim fantasmagórico real, sendo que, a qualquer segundo ia pelos ares ou para o chão.

Neste horror de fazenda, os homens estão expostos aos seus piores medos e ao total desapego, de tudo. Já nem importaria se morresse ou não, aquilo já o fez morrer entende?

 - Alegrias?
(Risos)

 - Apenas uma: A música de Sachka  - El Cervecero.

A cada dia, a música de Sachka nos impermeava daquilo que a guerra faz com os homens: Desumanizá-los. A música de Sachka era um ritual sob um dia de confrontos. Por horas, tinha-se de fundo – às vezes um pouco mais alto (nas vitórias) e mais baixo (nas tristezas); o som das canções da pequena sanfona do velho Sachka. Fazia dela a soberana sob o clamor perturbador dos feridos e o silêncio gélido das emboscadas. Sachka também cantava. As canções continham poucas letras e eram mais instrumentais. No entanto, as letras das canções nos talhavam por dentro, como se algo estivesse rasgando nosso estômago e rins. Diria que haveriam muitas. A voz de Sachka era curtida de cigarro e conhaque.

Era ele quem dava o sinal de ataque, sempre a mesma, chamada por ele de “Sinfonia da Vida” e dizia  palavras proféticas e poéticas sob a guarda e nós, considerado por ele, como “O Batalhão dos incansáveis”, cantava-a:

“...Somos homens guerreiros
Da cavalaria dos verdadeiros
Da 7ª em Despedida, não temos medo
Este batalhão vai pegar teu coração sem covardia
e Sachka, o Cervecero, decretará o sessar fogo até amanhã cedo"


(Relembrava frases de escritores e poetas russos nesta sinfonia)

“O inimigo vai ter a cabeça cortada
Um sol alaranjado rola pelo céu como uma cabeça decepada¹”
sigam homens: Sofrer ainda é viver²
Os meninos brincam da mais terrível e adulta de todas as brincadeiras; brincam de guerra³"

Logo após, o batalhão partia, como uma fera faminta em busca de suas presas. Queríamos modificar o inimigo. Nunca seríamos de novo aquilo que fomos. Pudera. Assim é a vida. Mas, com a guerra, se vê do que o ser humano é capaz. Conhecemos aqui a essência do ser brutal e sublime. Não há limites para os excessos. 
E sachka cantava:
“...Almazinha, coma por favor, tire da vida uma alegria. Eu sei que tem visto muito horror, mas se encontrar com uma flor, não a pise. Deixe ela sozinha” (1ª Melodia da Flor)

Após os términos das batalhas e confrontos, Sachka, caminhava e retornava do início até o fim da linha dos corpos, numa canção estranha, de uma nota só e  que se repetia freneticamente, cantando uma única frase: “Vá em paz, acabou a guerra” e dava uns ganidos sonoros de dentro sem abrir a boca, como se estivesse  desintoxicando-se de cigarro e de cinzas. Estávamos unidos para sempre naquele ambiente. E para que a vida continuasse, seria preciso que a guerra continuasse. Já não questionávamos os bandidos da nação, que deveriam estar aqui, o valor e a justificativa desta ou de outra guerra. Justificativas são vãs.

Após o pouco tempo, se é que era pouco tempo, tínhamos o exercício de pensar o próprio tempo, de pensar sobre o quê das coisas, pra que, pra quem, contra quem e a favor de alguns. E estas coisas são fundamentais. Eram as nossas exigências, são as exigências do homem frente aos desafios de todo tempo.

Todas as noites, Sachka, antes da madrugada, quando não éramos atacados ou atacávamos; cantava e tocava várias cantigas populares e de povos rurais de sua região. 
Precisávamos das Canções: Ninguém naquela época via o fim daquela guerra, somente Sachka, o Cervecero; cobria de sons e lágrimas nossos extenuantes caminhos. Dava-nos um rápido momento de esquecimento e das lembranças de uma carnificina, para podermos, mesmo que brevemente, cochilar em meio aos corpos e a terra coberta de sangue. Só ele, Sachka, o memorável, o pinguço engraçado, filósofo de trombeta, cantor do esquadrão, poeta do mar do inferno, voz de sábio errante, luz de centelha; será capaz de contar com detalhes  o terror de um assassinato em massa e ainda, mesmo diante de tudo e de todos, procurar o horizonte mais distante e avistar alguma coisa lá que faça agora, no presente, total sentido.  
Precisamos das canções sempre. Para celebrar e sofrer. Precisávamos de Sachka e ele não estava maduro para morrer.
(Texto - Leo Canaã. Inspirado em Sachka - o Cristo. Personagem do Livro "Exército de Cavalaria" de Isaac Babel)
¹ Frases de Isaac Babel - C.V
² Dostoievsky - Crime e Castigo
³ Boris Pasternak - Doutor Jivago

16 de jun. de 2011

O Homem de Preto


Esta postagem é dedicada a Johnny Cash.
Fui conquistado por sua música e estilo (vestia-se todo de preto, dizia que era em homenagem aos pobres) a partir do recomendadíssimo filme "Johnny e June" o que não faz muito tempo e retrata a vida e obra dele. A partir deste filme, até a minha mulher passou a gostar e a ouvir os discos. Cash lançou o que considero as suas obras fundamentais: o American Recordings - conjunto de 10 discos gravados com o produtor Rick Rubin a partir da metade da década de 90; saindo discos até 2010 (06 anos após a sua morte), . O Clipe acima é da canção "Hurt" do disco American IV. O disco e o clipe ganharam o Grammy em 2004. Recentemente, o site NME escolheu em uma eleição como o melhor de todos os tempos. Neste, aparece June no final, três meses antes de morrer e Cash que morreria quatro meses após a morte da mulher. Ouvir e ver Cash derramando vinho sobre um banquete e cantar: " este meu reinado de sujeira " é maravilhoso. Estou satisfeito com o camisa 9 do NME. Ainda bem que nesta vida, existiu Johnny Cash...ainda bem.
(L.C)

8 de jun. de 2011

Queima de Partida

Imagem: Futebol. BRANDÃO, S.


Jogo de Futebol. Um domingo santo em que todos aqueles homens do campo não viam muitas coisas a perder, por isso eram tão entregues a partida. Naquele horário, sob sol e chuva (mais com sol), correndo atrás de uma bola de material sintético e gasta que “sintetizava” a vida deles.

O bairro do clássico ou da tragédia é aquele bairro que existe em toda ordem e cidade: Bairro da Esperança. Nome do lugar envolto em uma ambiente fervoroso de desilusão e perigo. Nestes lugares, não só a comida dos gatos, mas também dos homens, devem ser caçadas a noite.
O jogo é tenso. Ninguém levava desaforo do futebol, isso nunca. Lá é livre. Na rua ou no trabalho a manha é diferente. Um drible debaixo da perna é humilhação, você sabe. Mais uma?
Diante desta ruína chamada de liberdade e desta cultura de sangue em que os titulares e reservas de banco respiram e estão lá embaixo, o jogo se mostra algo mais.
O juiz é o louco do Sinval. Ninguém é doido de xingar a mãe dele. Desconfiam dele, na morte da pobre mulher. Além do mais, Sinval é o homem das bocas que levam ao Rio Tejo, ouro que atrai bandidos mais bem vestidos da região.
O campo duro de terra, sem única grama, levanta poeira que impregna nos copos e peles, um cheiro infernal de carne assada e de álcool puro vinha por toda parte. Em volta daquela beirada da cidade, entre casebres pobres e córrego sujo, com o campo cercado por arame farpado, começava o maior clássico das mulas, a invenção de uma obra de arte, a maior guerra entre os destratados da vida, o ruir da salvação, o fatal tropeço da dignidade, a barbárie de nossas colheitas e a diversão daqueles que não são.
Todos sabiam que era preciso muito mais que um gol para se destacar na comunidade e apenas um para morrer no campo. Definitivamente, os homens não sabem conter as palavras. O coração, em perturbo, é um tsunami de emoções.
Oscarito, comerciante de um piseiro, após o fim da partida disse aos presentes:
“ No fundo, mesmo que a gente fique com a cabeça dentro do jogo, a gente nunca sabe o que o outro pensa e o que é capaz de fazer. O que ele traz de casa e da vida. O que fez de tão grave para ser morador do Esperança...”
Bem, vamos a partida...
Como sempre o encontro entre os herdeiros do Bairro Esperança é  um jogo ruim de ver pelo futebol e atraente por outras atitudes realizadas no local.Entretanto, pelos próprios jogadores em campo, tudo poderia acontecer.
O goleiro Manuel, conhecido como Bordado (Já levou tiro da polícia e tal...), gosta de jogar provocando os jogadores adversários. Aborrecendo-os com estórias fantasiosas de parentes distantes dos mesmos (todos sabiam que em parte era invenção) e se contorcia de risadas doentias ao fim de uma jogada ridícula ou de uma chance perdida, como se estivesse narrando o próprio jogo a partir de um picadeiro.
Já no segundo tempo, com jogo empatado sem marcador, o time do atacante Mário Moleque, parte em contra-ataque, como se estivesse atacando americanos no Iraque, três contra seis. Como se torna fácil a desatenção! Não se põe a mão no berço de cobra!
Sem milagres, não haveria o que fazer: o atacante venceria o goleiro no jogo e o tempo venceria o homem na marcação.
Ao chegar cara a cara e driblar Bordado, empurrando a bola para dentro do gol, Mário olha para o mesmo e sopra bem alto:
- Chupa Puta!
Os olhos de Bordado ficaram vermelhos; seu rosto estático, seus dedos da mão direita levemente se movimentavam e se tocavam, ele olhava indiferente para os companheiros de time e via com uma atenção felina a comemoração dos rivais e, em especial, Mário. Não se sabia se havia rixas entre os dois.
Rubão, o Ceilão, grita da arquibancada:

- Achou Bordado! Cadê a narração do gol seu palhaço?
- Te chamou de Puta e não faz nada...é porque gostou?

Após o gol, o time em vantagem partiu para o ataque e quase marcou novamente. No cruzamento, bordado se esticou e se atirou praticamente no pé do adversário. Não se sabe se planejado ou não, ele saiu de campo machucado.
Faltavam 10 minutos para terminar a partida. São 10 horas da manhã de uma tarde. São 10 homens em campo sem amar o presente. São 10 urubus mecânicos correndo atrás sempre. São 10 milhões de campos como este.
Bordado não espera o fim do jogo. Vai a sua casa, pega o seu revólver e volta ao campo. Enquanto os jogadores tentavam o empate, ele entra no campo de terra, caminhando a passos lentos, fumando um cigarro boliviano, com os mesmos olhos vermelhos, e, no grande centro, onde só havia o herói inimigo, exige que o mesmo se ajoelhe, sem dizer uma única palavra, no local onde é dado o primeiro toque na bola, dá um tiro à queima roupa na cabeça de Mário.
(Leo   Canaã)

19 de abr. de 2011

Diálogos a beira do Rio

" (...) 

- Tudo está em nossas mãos, José. Nós nos perdemos por covardia. O que mais gostamos dessa vida são nossos hábitos. As insignificâncias tem tanta importância que agente se perde.

- Vejamos os fatos... A coragem não necessariamente põe pão na mesa. E alguns hábitos são maiores que a própria vida Chico.

- Você, José, é um homem pusilânime, conformado com tudo. Não é capaz de nem ao menos de assumir aquela tua filha que teve em Porto Acre...

-Ora, Chico, nunca melhorarás um homem se o repelires; além do mais, os fatos comprovam que você não é tão diferente de mim assim. As suas idéias são ótimas. Mas não importam. O que importa é que se faz não o que se pensa.

- Como se eu não procurasse ser de fato aquilo que penso não é José?
A diferença é que você não tem consciência, não sofre reconhecendo o seu erro e nem tenta. 

-Os homens meu caro Chico nunca mudarão e você perde tempo de tentar  mudá-los. E além do mais está me julgando de forma parcial. Tens muitas opiniões preconcebidas. As convicções são mais perigosas e danosas que a própria verdade.

- José, cada um pensa em si próprio e vive mais alegre aquele que engana a si mesmo.
-Chico, o que se pode aprender com uma vida miserável destas meu amigo?

-Cada um de nós José precisa de muito pouco para viver. Basicamente, um bocado de pão, uma mulher honesta e amável e um trabalho que não seja infernal. 

"(...) Chico e José continuam a conversar e se despedem. Se dispersam entre as pessoas que caminham no calçadão a beira do rio. Percebem, cada um da sua forma;  os jovens que retornam as casas após a escola, os taxistas parados a espera de viajantes, a ralé que se embriaga às margens, os meninos que pulam da ponte, os balseiros presos as vigas de concreto dando trabalho aos bombeiros, o casal que namora na porta de entrada, o banco vazio em que os dois conversavam, os comerciantes e sua ânsia de ganhar dinheiro e ao longe uma pequena canoa que sobe o rio, cheia de bananas, com um casal jovem e uma filha recém nascida coberta com uma manta branca". 
( Leo Canaã)

25 de jan. de 2011

No Aceiro da Mata

No Aceiro da Mata tem o Manoel
"... No aceiro da mata, Manoel para e arria a carga no chão. Tira a blusa, dobra e guarda cuidadosamente dentro do saco...Paulinho pergunta porque prefere viajar seminu, exposto aos espinhos e às picadas de inseto...
- Roçando nas costas, o Jamaxi rasga a roupa, minha blusa é nova, responde Manoel.
-Vosmicê Paulinho maginou ver gente carregando carga que nem burro, hein?
-Isto, pra cangaia, só falta o rabido, não é mesmo?
                                                      (...)

No Aceiro da Mata tem a Maria

"... Maria é uma mulher. O sorriso é de criança, mas o olhar é de mulher experimentada nos segredos do amor. A única preocupação de Maria é cuidar de sua mãe cega e velha e dar liberdade aos sentidos, saborear o amor em toda a sua embriagante volúpia...Maria era noiva de Zé Labareda, primo distante de seu falecido pai. Mas como exercício da liberdade, nunca tardou em testar e provar dos galenteios dos viajantes que passavam e hospedavam na casa de sua mãe:
- Por sinceridade, pra não enganar o noivo, desmanchei o noivado. Hoje, por necessidade, pra não passar fome, sou mulher de muitos...de qualquer um...de moços ou velhos...sei que o seringal inteiro fala de mim. Não me importa! É melhor ser como sou do que ser casada e proceder que nem a Anália do Tibertino. Dela, falam por trás. De mim, dizem o diabo, abertamente. Falam. Mas ninguém se lembra que eu preciso sustentar minha mãe cega e que, se me entrego por necessidade, não amo por interesse."

No Aceiro da Mata tem o Patrão

"...Grande patrão, enviado do diabo, homem rico de matéria que representa a nação por estas bandas...
... Que diabo de terra é essa, onde nem se pode plantar uns pés de feijão? isso é cativeiro?
A verdade é que seringueiro que tem agricultura, embora pequena, compra menos, dando menos lucro ao nosso querido patrão... esse nosso patrão, além de nosso proprietário, é nosso juiz de paz do seringal, faz dos seus olhos a justiça vesga. Outro dia mesmo, lá no barracão, vi aquela cena patriótica: Os meninos da escola perfilados cantando o hino nacional. O coronel Alfonso tira o chapéu e sorri, envaidecido. Não é ele, de fato, o dono de tudo aquilo? O poderoso mandão, autoridade absoluta naqueles barrancos de Brasil? Pois é seu moço... lembro da minha Tia Raimunda dizendo sempre e repetitivamente: aqui se faz, aqui se paga. Tarda, mas não falha... esse coronel tem tanto barranco, mas não se pode ter a água. O coronel tem tanta terra, mas com quem deixar, pra quem?
Tardou. Tardou muito. Nem por isso o coronel não pagou a sua crueldade e seus atos desumanos a frente da sua indústria extrativista. Teve um fim tão triste, tão só, tão abandonado. Este é o fim dos egoístas, o fim dos prepotentes e perversos, dos que, por terem tudo, a todos desprezam e julgam que podem viver sem o calor de uma sincera amizade...passado o tempo, da beira do rio restam apenas a escola e um chalé, numa tristeza de terra que contamina também as pessoas, pela desilusão, deixando as almas arrasadas como terras-caídas"

(Texto base retirado do livro TERRA CAÍDA de José Potyguara - belo romance amazônido e brasileiro)

18 de jan. de 2011

NaZaré


Mural Grito de los Excluídos Cotacach.  Pavel Eguez



NaZaré fechava os olhos e odiava ser perturbada pelas lembranças da infância. Coisa não vivida por ela. Ela se tornou mulher muito cedo. Lutava com todos os utensílios fúteis de beleza, para não apresentar a decadência conquistada (Claro que nas condições em que sobrevivia só poderia adquirir os fúteis mais baratos no mercado). Não foram poucos os que tiveram seus gritos de glória escutados por Nazaré. Foram inúmeros trastes e bares mergulhados. Naquele meio não se pretendia nada além do que cavar a terra para enterrar os sonhos.


Ali se vivia o presente, o gosto de cada gota de vida, o buraco negro de um sorriso que sairia, as promessas de inacreditáveis façanhas numa cama de madeira de segunda. Todos eram muito perigosos e maliciosos, assim como em qualquer lugar. Os sorrisos se ouviam toda noite, mas, ao amanhecer só restavam os lixos e o silêncio  de um lugar que ninguém chamava de seu (exceto para a busca de prazer). Nazaré sempre pensava que a vida tinha seu momento mais pleno quando se esquecia dela. Nada era escondido e tudo era possível. Não se poderia pensar em local tão inseguro, surpreendente, decaído e detestável.

Nazaré escutava, dava, xingava, bebia, cheirava, sofria, ria e chorava; mas nunca falava ou batia. Dentro do que fazia, era até amada; com hora marcada, malhava, e atraia com uma força... fez dois homens se matarem. A vida traz estas coisas – pensava ela.
-Muitas dores e doces é isto!


NaZaré ouvia os porcos da noite e só pensava se algum dia provaria uma noite de amor verdadeiro. Pouco acreditava. Mas, não se iludam: dos trastes e raspas, se formou uma raposa. Sabia domar e dominar qualquer homem através do sexo. Conseguia tudo e manipulava cuidadosamente a todos em busca de suas fantasias e pedidos que praticamente eram ordens, ordens do silêncio. Nazaré era usada e usava. E dava aos homens aquilo que eles mais queriam: PODER.


Nazaré seguiu até que o tempo se desfez do teu corpo. Ficou perdida por aí, lavando roupas de homens do cais e de famílias tão pobres quanto ela mesma. Vivia da desgraça alheia e comia sabe-se lá quando...

Mesmo assim Nazaré não tinha raiva de tudo: sabia o que tinha sido e não tinha se arrependido de nada.  Agora, já não bastava chorar.

Todas as noites questionava a Deus: Porque faz isto com os pobres: deixei-os pelo menos com o corpo sadio!

( Leo Canãa)