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18 de jan. de 2011

NaZaré


Mural Grito de los Excluídos Cotacach.  Pavel Eguez



NaZaré fechava os olhos e odiava ser perturbada pelas lembranças da infância. Coisa não vivida por ela. Ela se tornou mulher muito cedo. Lutava com todos os utensílios fúteis de beleza, para não apresentar a decadência conquistada (Claro que nas condições em que sobrevivia só poderia adquirir os fúteis mais baratos no mercado). Não foram poucos os que tiveram seus gritos de glória escutados por Nazaré. Foram inúmeros trastes e bares mergulhados. Naquele meio não se pretendia nada além do que cavar a terra para enterrar os sonhos.


Ali se vivia o presente, o gosto de cada gota de vida, o buraco negro de um sorriso que sairia, as promessas de inacreditáveis façanhas numa cama de madeira de segunda. Todos eram muito perigosos e maliciosos, assim como em qualquer lugar. Os sorrisos se ouviam toda noite, mas, ao amanhecer só restavam os lixos e o silêncio  de um lugar que ninguém chamava de seu (exceto para a busca de prazer). Nazaré sempre pensava que a vida tinha seu momento mais pleno quando se esquecia dela. Nada era escondido e tudo era possível. Não se poderia pensar em local tão inseguro, surpreendente, decaído e detestável.

Nazaré escutava, dava, xingava, bebia, cheirava, sofria, ria e chorava; mas nunca falava ou batia. Dentro do que fazia, era até amada; com hora marcada, malhava, e atraia com uma força... fez dois homens se matarem. A vida traz estas coisas – pensava ela.
-Muitas dores e doces é isto!


NaZaré ouvia os porcos da noite e só pensava se algum dia provaria uma noite de amor verdadeiro. Pouco acreditava. Mas, não se iludam: dos trastes e raspas, se formou uma raposa. Sabia domar e dominar qualquer homem através do sexo. Conseguia tudo e manipulava cuidadosamente a todos em busca de suas fantasias e pedidos que praticamente eram ordens, ordens do silêncio. Nazaré era usada e usava. E dava aos homens aquilo que eles mais queriam: PODER.


Nazaré seguiu até que o tempo se desfez do teu corpo. Ficou perdida por aí, lavando roupas de homens do cais e de famílias tão pobres quanto ela mesma. Vivia da desgraça alheia e comia sabe-se lá quando...

Mesmo assim Nazaré não tinha raiva de tudo: sabia o que tinha sido e não tinha se arrependido de nada.  Agora, já não bastava chorar.

Todas as noites questionava a Deus: Porque faz isto com os pobres: deixei-os pelo menos com o corpo sadio!

( Leo Canãa)