Foto: Jose Antoine Costa
“...Dizem que
os filósofos e os sábios autênticos são indiferentes. Não é verdade, a
indiferença constitui uma paralisia da alma, a morte prematura.
Torno-me a
deitar e começo a conjeturar sobre os pensamentos com que poderia ocupar-me. Pensar
em quê? Parece que já pensei em tudo e não há nada capaz de suscitar agora o
meu pensamento.
Quando
amanhece, estou sentado na cama, abraçando os joelhos, e, não tendo o que
fazer, procuro conhecer a mim mesmo. “Conhece-te a ti mesmo” – eis um belo e
útil conselho; dá pena, porém, que os antigos não tenham adivinhado como
indicar o meio de utilizá-lo.
Quando, em
outros tempos, me dava na veneta compreender alguém ou a mim mesmo, eu
examinava não as ações, em que tudo é convencionado, mas os desejos. Dize-me o
que desejas, dir-te-ei quem és.
Também, agora,
faço um exame a mim mesmo: o que eu quero?
Quero que
nossas esposas, filhos, amigos, alunos, amem em nós não o nome, a firma, a
etiqueta, mas a pessoa comum. E o que mais? Eu gostaria de ter auxiliares e
herdeiros. E o que mais? Gostaria de acordar daqui uns cem anos e espiar, ao
menos com um olho, o que será da ciência. Gostaria de viver mais uns dez
anos... e mais o quê?
Mais nada.
Penso, fico muito tempo pensando, e não consigo inventar mais nada. E por mais
que eu pense, onde quer que se espalhem meus pensamentos, é evidente para mim
que em meus desejos falta algo essencial, algo muito importante. No meu fraco
pela ciência, no meu desejo de viver, neste ato de ficar sentado numa cama
alheia e na ânsia de conhecer a mim mesmo, em todos os pensamentos, sentimentos
e concepções, que eu formo a respeito de tudo, não existe algo geral, que una isso
num todo. Cada sentimento e pensamento vivem em mim isolados, e em todos os
meus juízos sobre a ciência, o teatro, a literatura, os alunos, em todos os
quadrinhos que desenha a minha imaginação, mesmo o analista mais hábil não
encontrará o que se chama uma ideia geral, isto é, o deus do homem vivo.
E, se não
existe isso, quer dizer que não existe nada.
Com semelhança
indigência, bastaram uma doença séria, o medo da morte, a ação de
circunstâncias e das pessoas, para que tudo o que eu considerava antes a minha
concepção do mundo e em que eu via o sentido e a alegria da minha vida se
emborcasse e desfizesse em fiapos. Por conseguinte, não há nada de
surpreendente no fato de eu ter ensombrecido os meses derradeiros da minha vida
com pensamentos e sentimentos dignos de um escravo e bárbaro, que eu seja agora
indiferente e não note o amanhecer. Quando não existe num homem aquilo que é
superior e mais forte que todas as influências externas, realmente, basta-lhe
um forte resfriado para que perca o equilíbrio e comece a ver em cada ave uma
coruja, e ouça em cada som um uivar de cães.
Estou vencido.
Se assim é, não há motivo para continuar a pensar, para conversar. Ficarei sentado,
esperando em silêncio o que há de acontecer“.
(Anton TCHEKHOV- Trecho do Conto “Uma História Enfadonha”. Publicado em 1889).
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