....Biúca, ao ver a sua filha adentrar pela sala depois de tantos e tantos anos, tenta a todo custo esconder as lágrimas, o choque, a primeira palidez; não apenas pela saudade, mas por culpa, pena, frustração e miséria. Viu a filha entrar como uma velha, apagada, triste, magra, doente, como se estivesse a caminhar por muito tempo, como o filho de Elias. Ao vê-la, a mãe abraça-a sentindo as suas lágrimas, com todo o cuidado para que o abraço forte não quebrasse os ossos e matasse a menina ali mesmo, em seus braços, por amor, por saudade, fraqueza. Dizia, abalada, palavras misturadas e confusas a que se remetia a perdão e a felicidade de te-la ali, a sua pequena, depois de penosos e preocupados invernos. O pai, sem saber o que fazer ou dizer, só olhava a filha e mãe abraçada; surgia-lhe um pensamento de que, as duas, pareciam irmãs. Olhava e pensava que iria explodir como uma panela de pressão esquecida pelo cozinheiro do tempo. Via os olhos verdes baixos, envoltos por olheiras profundas, logo eles, que eram a coisa mais brilhante e enverdejante que conheceu. As pernas arranhadas, murchas, as unhas quebradas e sujas. O chinelo branco, escuro, amarrado com tiras de plástico e de farrapo. O cabelo, os seios, o coração. Já não havia nada daquela filha que conheceu, que saiu de casa num dia assim, que um dia disse a ele que Deus era tão generoso por dar a ela esta casa, esta família e esta vida. Lembrou-se de quando era pequena e o acompanhava na colheita do feijão e na procissão de São Sebastião na cidade. Também que a amaldiçoou para todo o sempre e que jurou a alguma santa de devoção de sua mãe de que nunca mais abriria a porta de sua casa para aquela criatura. Neste momento, sentiu a própria cruz de Jesus e teve vontade de cair a seus pés e chorar e chorar, pedir perdão por tudo o que fez e que fará tudo de melhor para ela agora e sempre. Olha a filha. Sente o cair da tarde como o cair de um penhasco. Agora é tarde. Vê que a filha já não consegue andar,caminhar ou gesticular normalmente. Não teve dúvidas: Ela retornou para casa.
- Minha filha, você está em sua casa. Aqui você está bem. Não diga nada, não precisa. Cada um busca a sua felicidade. Isso, deite na cama. Descanse um pouco, tome água. Se restabeleça minha filha.
O embargo da voz. Já era incapaz de dizer algo. A filha também . O pai ao ver a filha deitada sobre o trapiche, lembrava do que dizia o Velho Otacílio da venda.
- João, o único destino do homem é começar e acabar¹ e ponto.
A filha estava de volta em casa. Para sempre. Sempre é quando. Quando é agora. Agora é tarde. (L.C)
¹ Citando SARAMAGO
¹ Citando SARAMAGO
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