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29 de mai. de 2015

O Único Destino de um Homem





....Biúca, ao ver a sua filha adentrar pela sala depois de tantos e tantos anos, tenta a todo custo esconder as lágrimas, o choque, a primeira palidez; não apenas pela saudade, mas por culpa,  pena,  frustração e  miséria. Viu a filha entrar como uma velha, apagada, triste, magra, doente, como se estivesse a caminhar por muito tempo, como o filho de Elias. Ao vê-la, a mãe abraça-a sentindo as suas lágrimas, com todo o cuidado para que o abraço forte não quebrasse os ossos e matasse a menina ali mesmo, em seus braços, por amor, por saudade, fraqueza. Dizia, abalada, palavras misturadas e confusas a que se remetia a perdão e a felicidade de te-la ali, a sua pequena, depois de penosos e preocupados invernos. O pai, sem saber o que fazer ou dizer, só olhava a filha e mãe abraçada; surgia-lhe um pensamento de que, as duas, pareciam irmãs. Olhava e pensava que iria explodir como uma panela de pressão esquecida pelo cozinheiro do tempo. Via os olhos verdes baixos, envoltos por olheiras profundas, logo eles, que eram a coisa mais brilhante e enverdejante que conheceu. As pernas arranhadas, murchas, as unhas quebradas e sujas. O chinelo branco, escuro, amarrado com tiras de plástico e de farrapo. O cabelo, os seios, o coração. Já não havia nada daquela filha que conheceu, que saiu de casa  num dia assim, que um dia disse a ele que Deus era tão generoso por dar a ela esta casa, esta família e esta vida. Lembrou-se de quando era pequena e o acompanhava na colheita do feijão e na procissão de São Sebastião na cidade. Também que a amaldiçoou para todo o sempre e que jurou a alguma santa de devoção de sua mãe de que nunca mais abriria a porta de sua casa para aquela criatura.  Neste momento, sentiu a própria cruz de Jesus e teve vontade de cair a seus pés e chorar e chorar, pedir perdão por tudo o que fez e que fará tudo de melhor para ela agora e sempre. Olha a filha. Sente o cair da tarde como o cair de um penhasco. Agora é tarde. Vê que a filha já não consegue andar,caminhar ou gesticular normalmente. Não teve dúvidas: Ela retornou para casa. 

- Minha filha, você está em sua casa. Aqui você está bem. Não diga nada, não precisa. Cada um busca a sua felicidade. Isso, deite na cama. Descanse um pouco, tome água. Se restabeleça minha filha. 

O embargo da voz. Já era incapaz de dizer algo. A filha também . O pai  ao ver a filha deitada sobre o trapiche, lembrava do que dizia o Velho Otacílio da venda.  
- João, o único destino do homem é começar e acabar¹ e ponto. 
A filha estava de volta em casa. Para sempre. Sempre é quando. Quando é agora. Agora é tarde. (L.C)

¹ Citando SARAMAGO

27 de mai. de 2015

Águias de Origem







Um certo gozo dos anjos
Com nome de Augusto dos homens
Despindo a Terra como os soldados
Que ávidos cortam a cabeça das dúvidas
Se o fato expressivo, absoluto, nos trazem dívidas
e pior, escondem a certeza dos vermes e a mão do imaginário
Como ficam as perguntas, os beijos, as rosas, o escarro
Este homem, que conquistou a flor e o demônio
A mão direita do céu e dos plutônios
O parto da alma e o ferrão da linguagem
...pudera ser o medo uma miragem
e os pés, águias de origem (L.C)


Preparação das Ofertas


Pintura de Francisco Rizi, 1600 e alguma coisa...


Na noite que iria ser jogado aos cães
olhou para trás, deu um sorriso
e sem um pingo de compaixão
viu que estava perdido
Olhou para seus réus e pensou na coerção
Na física e nas metas, nos filhos e conhecidos
Percebeu o chão da prisão


Na noite anterior,lembrou:
"A arrogância é a máscara mais banal da covardia"¹
Depois de um injusto não
Deu graças por viver, lembrou de seu pai tabelião
Um passo para frente e o abismo
Havia próximo o perigo, o desconhecido, desprovido
Percebeu que estava próximo então

Elegeram os navegantes para não sujar as mãos dos governantes
Como se o mundo fosse melhor por fazer homens morrer
Por seus sonhos matar, por sua honra ofender
Por suas mãos lavar (L.C)

¹EPITECTO