Estava andando de ônibus coletivo na
capital um dia desses e ao sair, percebi que havia preso na
sola do meu sapato uma folha de papel. Neste, havia um texto escrito
por alguém, sem assinatura. Me parecia incrível que aquele papel estivesse ali
ainda, visto a condição encontrada. Foi difícil entender algumas palavras, quase apagadas. Estava apenas intitulado “A janela do Dia Segunda no Ponto”. Reproduzo-a na íntegra:
“
(...)
Tudo acontece rápido. Início e fim de
cada dia, início e fim de tudo. Passo mais tempo dentro deste ônibus do que com
a família. São de 06 a 09 horas diárias, são três linhas a cada ida ou vinda. Minha filha disse que era para escrever um texto sobre o que vejo sentado em um banco de ônibus. E na rotina de cada dia, de muitos dias, de milhares de horas acumuladas como se fossem uma espécie de sentença, prisão do tempo, não se tem muitas novas.
Pra Si, com amor e carinho
Pra Si, com amor e carinho
São tantos rostos e tantas rotas, a realidade ou a falsa realidade criada, as insignificâncias e alegrias de cada um (de um jeito ou de outro), gente de todo lado, gente que de longe parece
longe da gente, longe de tudo. No ônibus passo o maior tempo da minha vida,
coisas do trabalho. Vejo os momentos e instantes de encontro e de despedida,
realidades de confronto e de acolhida, muita propaganda e publicidade,
pichações sobre tudo que é concreto, acidentes e acessos de carros. A casa sendo erguida e o debaixo
da ponte, um irmão vendendo água nos pontos de embarque, as meninas esguias que vão correr ao fim de tarde, o amontoado de
pessoas de todas as raças no sinal ao lado, o senhor pobre que trabalha na
grande obra, até no feriado de sexta feira santa, comendo uma quentinha, aspecto magro e inocentemente feliz. As passarelas sobre os carros e as antenas de televisão sobre o
teto de tudo que é chamado de casa, o olhar cansado do trocador e o campo de terra de todo
mundinho, o cumprimento dos motoristas no farol, as praças e igrejas no centro de todo
lugar, os carrinhos de churros e os de burros, os pontos de táxi e os pontos da
noite, um cristo e uma placa a cada entrada, as pessoas com pressa, a boca
cheia de coca (nada é de graça), a menina que não tira o olho do rapaz de camiseta rosa, as
frases de desconto e de promoções na ponta de estoque, os cartazes dos shows da semana, os anúncios de formação
profissional e das casas de empréstimo popular, os vendedores de picolé e da fé, as carroças
resistentes que vislumbram um lugar ao sol na avenida principal, o casal que de
mãos dadas caminham pelas tantas, as franquias, os parques, os mananciais de
bosta, as cercas elétricas, os aglomerados da massa, uma garota que segura
firme seu par na moto ao cruzar o sinal vermelho de trânsito em alta
velocidade, como se isso fosse ajudar em alguma coisa.Entre carros, caminhões, bicicletas, pessoas e meu olhar, vejo um cachorro de rua comer um rato morto; o olhar de mais um que se cruza ao meu, um homem que chora por outra janela, as pessoas que se juntam ao final de um dia de trabalho e esperam, agora ansiosas, para
entrar em um ônibus e retornar as suas casas, beijar seus amores, jantar, namorar e ver o
jogo ou um filme se não estiver muito cansado, antes de desmaiar até as quatro,
quando o despertador do relógio irá tocar para mais um dia recomeçar.
(L.C)
Nenhum comentário:
Postar um comentário