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25 de jan. de 2011

No Aceiro da Mata

No Aceiro da Mata tem o Manoel
"... No aceiro da mata, Manoel para e arria a carga no chão. Tira a blusa, dobra e guarda cuidadosamente dentro do saco...Paulinho pergunta porque prefere viajar seminu, exposto aos espinhos e às picadas de inseto...
- Roçando nas costas, o Jamaxi rasga a roupa, minha blusa é nova, responde Manoel.
-Vosmicê Paulinho maginou ver gente carregando carga que nem burro, hein?
-Isto, pra cangaia, só falta o rabido, não é mesmo?
                                                      (...)

No Aceiro da Mata tem a Maria

"... Maria é uma mulher. O sorriso é de criança, mas o olhar é de mulher experimentada nos segredos do amor. A única preocupação de Maria é cuidar de sua mãe cega e velha e dar liberdade aos sentidos, saborear o amor em toda a sua embriagante volúpia...Maria era noiva de Zé Labareda, primo distante de seu falecido pai. Mas como exercício da liberdade, nunca tardou em testar e provar dos galenteios dos viajantes que passavam e hospedavam na casa de sua mãe:
- Por sinceridade, pra não enganar o noivo, desmanchei o noivado. Hoje, por necessidade, pra não passar fome, sou mulher de muitos...de qualquer um...de moços ou velhos...sei que o seringal inteiro fala de mim. Não me importa! É melhor ser como sou do que ser casada e proceder que nem a Anália do Tibertino. Dela, falam por trás. De mim, dizem o diabo, abertamente. Falam. Mas ninguém se lembra que eu preciso sustentar minha mãe cega e que, se me entrego por necessidade, não amo por interesse."

No Aceiro da Mata tem o Patrão

"...Grande patrão, enviado do diabo, homem rico de matéria que representa a nação por estas bandas...
... Que diabo de terra é essa, onde nem se pode plantar uns pés de feijão? isso é cativeiro?
A verdade é que seringueiro que tem agricultura, embora pequena, compra menos, dando menos lucro ao nosso querido patrão... esse nosso patrão, além de nosso proprietário, é nosso juiz de paz do seringal, faz dos seus olhos a justiça vesga. Outro dia mesmo, lá no barracão, vi aquela cena patriótica: Os meninos da escola perfilados cantando o hino nacional. O coronel Alfonso tira o chapéu e sorri, envaidecido. Não é ele, de fato, o dono de tudo aquilo? O poderoso mandão, autoridade absoluta naqueles barrancos de Brasil? Pois é seu moço... lembro da minha Tia Raimunda dizendo sempre e repetitivamente: aqui se faz, aqui se paga. Tarda, mas não falha... esse coronel tem tanto barranco, mas não se pode ter a água. O coronel tem tanta terra, mas com quem deixar, pra quem?
Tardou. Tardou muito. Nem por isso o coronel não pagou a sua crueldade e seus atos desumanos a frente da sua indústria extrativista. Teve um fim tão triste, tão só, tão abandonado. Este é o fim dos egoístas, o fim dos prepotentes e perversos, dos que, por terem tudo, a todos desprezam e julgam que podem viver sem o calor de uma sincera amizade...passado o tempo, da beira do rio restam apenas a escola e um chalé, numa tristeza de terra que contamina também as pessoas, pela desilusão, deixando as almas arrasadas como terras-caídas"

(Texto base retirado do livro TERRA CAÍDA de José Potyguara - belo romance amazônido e brasileiro)

18 de jan. de 2011

NaZaré


Mural Grito de los Excluídos Cotacach.  Pavel Eguez



NaZaré fechava os olhos e odiava ser perturbada pelas lembranças da infância. Coisa não vivida por ela. Ela se tornou mulher muito cedo. Lutava com todos os utensílios fúteis de beleza, para não apresentar a decadência conquistada (Claro que nas condições em que sobrevivia só poderia adquirir os fúteis mais baratos no mercado). Não foram poucos os que tiveram seus gritos de glória escutados por Nazaré. Foram inúmeros trastes e bares mergulhados. Naquele meio não se pretendia nada além do que cavar a terra para enterrar os sonhos.


Ali se vivia o presente, o gosto de cada gota de vida, o buraco negro de um sorriso que sairia, as promessas de inacreditáveis façanhas numa cama de madeira de segunda. Todos eram muito perigosos e maliciosos, assim como em qualquer lugar. Os sorrisos se ouviam toda noite, mas, ao amanhecer só restavam os lixos e o silêncio  de um lugar que ninguém chamava de seu (exceto para a busca de prazer). Nazaré sempre pensava que a vida tinha seu momento mais pleno quando se esquecia dela. Nada era escondido e tudo era possível. Não se poderia pensar em local tão inseguro, surpreendente, decaído e detestável.

Nazaré escutava, dava, xingava, bebia, cheirava, sofria, ria e chorava; mas nunca falava ou batia. Dentro do que fazia, era até amada; com hora marcada, malhava, e atraia com uma força... fez dois homens se matarem. A vida traz estas coisas – pensava ela.
-Muitas dores e doces é isto!


NaZaré ouvia os porcos da noite e só pensava se algum dia provaria uma noite de amor verdadeiro. Pouco acreditava. Mas, não se iludam: dos trastes e raspas, se formou uma raposa. Sabia domar e dominar qualquer homem através do sexo. Conseguia tudo e manipulava cuidadosamente a todos em busca de suas fantasias e pedidos que praticamente eram ordens, ordens do silêncio. Nazaré era usada e usava. E dava aos homens aquilo que eles mais queriam: PODER.


Nazaré seguiu até que o tempo se desfez do teu corpo. Ficou perdida por aí, lavando roupas de homens do cais e de famílias tão pobres quanto ela mesma. Vivia da desgraça alheia e comia sabe-se lá quando...

Mesmo assim Nazaré não tinha raiva de tudo: sabia o que tinha sido e não tinha se arrependido de nada.  Agora, já não bastava chorar.

Todas as noites questionava a Deus: Porque faz isto com os pobres: deixei-os pelo menos com o corpo sadio!

( Leo Canãa)